quinta-feira, 21 de abril de 2011

Qual a Semelhança Entre Um Corvo e Uma Escrivaninha ?

Logo em uma de suas primeiras falas, o Chapeleiro lança aleatoriamente esse enigma, que até hoje é motivo de mistério e objeto de teorias diversas: “Por que um corvo se parece com uma escrivaninha?”¹ [“Why is a raven like a writing-desk?”] O próprio Carroll escreveu no prefácio da edição de 1896 que originalmente essa charada não tinha resposta, mas que após ser frequentemente questionado se seria possível imaginar alguma solução, pensou em algo apropriado: “Porque pode produzir algumas notas, embora sejam muito chatas; e nunca é posto de trás para frente!”¹ [“Because it can produce a few notes, tho they are very flat; and it is nevar put with the wrong end in front.”] Há uma brincadeira na segunda parte da resposta, que infelizmente se perde com a tradução, entre as palavras “never” (nunca) e, como Carroll escolheu grafar, “nevar”, “raven” (corvo) de trás para frente.
Ao afirmar que num primeiro momento a adivinhação não tinha resposta nenhuma, Carroll implicitamente quer dizer que o intuito era justamente criar uma pergunta nonsense (sem sentido), algo que propositadamente não tivesse solução. Dessa forma, e também devido à repentinidade com que o Chapeleiro faz a pergunta e ao contexto da enunciação, uma das interpretações possíveis para o enigma é a de que ele ilustra como o mundo adulto pode parecer confuso e incoerente para uma criança, além de obviamente ajudar na constituição do clima nonsense do livro. O comentário de Alice um pouco adiante de que o tempo poderia ser usado de uma forma melhor do que sendo gasto com adivinhações que não têm resposta pode então ser lido como uma crítica mais abrangente aos adultos.
Mas como diz Fernando Pessoa, “O poeta é um fingidor”, e por isso não podemos acreditar cegamente no que dizem os autores literários. Bom escritor de literatura não dá ponto sem nó, e honestamente acho difícil de acreditar que um esteta do nível de Carroll associaria a imagem do corvo à da escrivaninha sem ter nenhuma intenção por trás dessa aproximação.
Conforme bem lembrado por Miguel Conner² em um post para o blog Aeon Byte Gnostic Radio, Carroll acreditava na percepção extra-sensorial (PES), na psicocinese e era adepto do ocultismo, chegando inclusive a inserir esses elementos nas Alices. Por exemplo, em Alice no País das Maravilhas a Lagarta lê a mente de Alice, e no primeiro capítulo de Através do Espelho, Alice, invisível aos olhos dos habitantes da casa do espelho, escreve no bloco de notas do pequenino Rei Branco controlando o lápis que ele então segurava. Ainda segundo Conner, os corvos são tidos como mensageiros dos mortos, e a escrita automática, que acontece em uma mesa, também é uma forma de comunicação com o além; logo, aí estaria a ligação entre um corvo e uma escrivaninha. Vendo as coisas por essa perspectiva, temos uma resposta muito interessante (dentre várias outras possíveis) para o enigma do Chapeleiro.

Um comentário:

  1. interesantissimo...naum sei se vc vai ler esse comentario mais cara...nunca ficou tão bem esplicado como agora...pohha cara vc arrasou...parabens...foi uma mistura de verdade com faz de conta junto com a noção real da palavra (corvo e escrivaninha)...parabens...foi fodasticamente interessante

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